Campinas, 11 de fevereiro de 2009.
Caro Editor da Revista Veja,
Meu nome é Lucas Cunha, 21 anos e aluno do último ano de ciências biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na qual também executo atividades de pesquisa de iniciação científica. Li a matéria da última semana sobre darwinismo e criacionismo. Gostei muito da intenção do corpo editorial da prezada revista em publicar uma matéria focando um dos mais importantes avanços científicos: a descoberta da evolução biológica por Charles Darwin. Contudo, alguns tópicos da matéria me chamaram atenção e me atinaram que escrever uma carta ao editor seria de extremo valor não só a mim, mas também a toda comunidade.
Como proposto pela revista, a divulgação das idéias de Darwin realmente teve um efeito bombástico e causou demasiado desconforto naqueles que as leram. Uma das maiores importâncias da teoria da evolução das espécies, publicada em A Origem das Espécies, foi a de simplesmente se contrapor a tudo aquilo que se pensava até então. Como bem realçado pela matéria, até o momento da divulgação desse livro, predominavam os dogmas católicos e a visão teocêntrica da natureza. É, porém, errôneo afirmar que a teoria se encerra nela mesma, de forma que tenha sido completa em si.
A matéria citou mutações podem determinar a permanência da espécie na Terra ou sua extinção – dependendo da capacidade de adaptação ao ambiente. Lendo a matéria e entendendo o contexto biológico que ela aponta, sugiro que o editor não use os termos mutações no sinônimo de alterações fenotípicas. Na época de Darwin, não se conhecia praticamente nada no que tange a genética molecular nem tão pouco se sabia alguma coisa sobre mutações na concepção genética. Alguns inclusive afirmam que Darwin não leu os relatos de Mendel antes da publicação de A Origem das Espécies.
A presente matéria também deixou clara a idéia de que existe uma dicotomia entre criacionismo e evolucionismo e que tal dicotomia teria ocorrido devido à divulgação de ideais evangélicos. Isso não ocorre de fato. Certa vez, Douglas Futuyma (Universidade Estadual de Nova York), um dos maiores cientistas e pensadores a respeito da evolução, em visita à UNICAMP, disse que o embate de duas formas de pensar distintas, como criacionismo e evolucionismo, seria muito útil à ciência. A ciência tem como propulsora a discussão e o choque entre idéias diferentes. A cada cientista que afirma A, outros tantos afirmam B e nesta oposição de pensamentos quem lucra é a ciência como um todo. Ademais, a religião evangélica (protestantismo) tem como origem uma forma racional de ver o cristianismo ainda que tal visão não seja mutuamente exclusiva à fé. Portanto, ter fé em Deus e em sua criação não significa abolir a ciência nem tão pouco o pensamento crítico sobre a vida.
Como dito, criacionismo e evolucionismo não são mutuamente exclusivos. O criacionismo afirma que o mundo e o que nele há foram criados. Não necessariamente Deus criou o mundo, mas sim houve uma criação. Como se uma força suprema superasse os limites lógicos do pensamento humano e estabelecesse tudo o que existe. Tanto sim que alguns criacionistas simplesmente não acreditam na existência de Deus. Da mesma forma, existem pessoas que acreditam que Deus criou o mundo e o que nele há e, a partir desse momento, todos os seres vivos estariam sujeitos aos princípios da evolução.
Destarte, embora eu concorde na boa intenção em divulgar a ciência, sobretudo a ciência biológica, não concebo a forma parcial com que o autor afirma o evolucionismo. Sugiro que o autor do texto amplie sua visão concernente às diferentes formas de ver e fazer ciência. Sugiro também que o mesmo autor se devote a estudar e entender as ciências biológicas: talvez seja o modo de melhor divulgar o pensamento.
Atenciosamente,
Lucas Leite Cunha
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